quarta-feira, 20 de abril de 2011

Manx


A indizível força de ser e de sentir
sobrepujando a era de ter e possuir
- Some-se sujeito e escancare muros!
Propriedade em mim
que de mim já se fez tal
ou o mau se fez assim...
Objeto universo que de tão real
sai de mim uma outra idéia
mesmo que às vezes
sempre tudo igual
Volta pra mim uma outra idéia
indireta universo objeto
que de certo me anoitece
se me fecho com os olhos
que o mundo me oferece.
Parece. Até parece, porquê.
Se sentir-se é assim uma outra coisa
ou o amor já é de mim,
e é em mim só por você!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Nossa eterna alma de vira-lata...

Nelson Rodrigues é mesmo de lascar! Ele é aquele gênio que enxerga o óbvio. Cunhou frases sensacionais, que, de tão verdadeiras, muitas vezes soam cortantes. Hoje andando pela cidade com meu pai, íamos olhando e discutindo questões urbanísticas. Ao passar pelo Centro, nos perguntamos o porquê de apesar de existirem tantos projetos, tantas idéias boas, exeqüíveis, nada se faz pelo Centro. Chegamos à conclusão, que de tão óbvia não é nada difícil de se chegar, de que nossa cidade chegou ao ponto que chegou por causa do maior e mais profundo problema brasileiro: a corrupção. E esta se sente muito confortável vagando entre a politicagem brasileira, devido muito, ao que o sensacional Nelson Rodrigues chamou de "complexo de vira-lata". Os brasileiros são sem dúvida nenhuma os maiores representantes da espécie vira-lata. Uma raça tão misturada que se faz pura em sua miscigenação. E isso é fantástico, creio que isso nos faz mais fortes. Só não por um motivo: o complexo de vira-latas. Político pode roubar, pintar e bordar que ninguém faz nada. Ninguém reclama. Ninguém sabe nem que tem esse direito. Fica só rondando a mesa, esperando que joguem migalhas e somos agradecidos por isso. Político que faz rua, faz praça, parece que está fazendo favor e não obrigação. Político que às vezes pensa nos outros e divide seu lucro com o interesse público é santo. Vai pro céu quando morrer. E assim, virando latas, chutando as tampinhas do descaso, vamos eternizando essa situação, vendo nossa cidade definhar e os espaços públicos se tornando qualquer coisa que ainda não consigo definir... Mas até quando?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Rindo sozinho...


O que significa? Uma felicidade aflorante, que brota do mais íntimo? Uma ponta de insanidade que surge exibindo as chagas da ansiedade? Vai saber! Apenas uma coisa é certa: nunca saberemos o que se passa pela cabeça de alguém que ri sozinho. É uma leve manifestação daquilo que de mais íntimo, mais individual, ímpar e singular o ser humano carrega: seu pensamento. E este nunca será dado ao receptor da mensagem em íntegra, em sua mais profunda veracidade. Pobre do sujeito que ao pelejar versejos para sua musa dourada, nota aquele leve movimento a esticar-lhe uma das pontas dos lábios. Nunca saberá o que se passou e a dúvida carcomer-lhe-á eternamente até sua última ligação neural. Rir sozinho é dar mostras de liberdade. É não ligar para o que pensam os outros, porque uma coisa é certa: os outros irão pensar! O que? Não importa! É capaz até do movimento difundir-se, e tal qual o bocejo tornar-se contagioso e todos saiam rindo sozinhos por aí. Minha namorada certo dia surpreendeu-me e irrompeu-se de ciúmes pois me notou rindo sozinho depois de ver passar uma moça bonita. Garanti que nem a notei. Apenas tinha me lembrado de uma piada. O ciúme não veio por eu ter olhado ou não para a garota, isso é o que de menos importa. Veio da incerteza provocadora do ato. Era um momento apenas meu e que nem ela e nem mais ninguém poderiam se apossar. Pois rir sozinho é provocante. Desperta os sentimentos. Imaginem quantas guerras não começaram pois na hora H, na reunião dos líderes mundiais, aquele presidente riu sozinho! Quantos vilões do cinema se tornam muito mais enigmáticos porque riem de nada! Simplesmente riem, sem o entendimento dos outros. Aquele que ri sozinho gera a dúvida. Todos pensarão que perderam alguma coisa, que algo passou despercebido e começarão a apreciar o risonho por sua perspicácia e lhe invejarão sua alegria gratuita. O culpado é aquele que ri sozinho. O artista, o espectador ou a obra: quem ri sozinho? Alguém há de ter pintado essa Monalisa nas relações pessoais.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Fique calmo! Eu matei o Tempo!

És um Senhor tão bonito? Um dos Deuses mais lindos? Pois saibam que hoje eu saí para matá-lo e tenho impressão que o matei. Um dos grandes males da tecnologia, da telefonia celular, do orkut, do facebook, é a de retirar das pessoas a possibilidade de estar só consigo mesmas. Alguém lembra de como era a vida antes do celular? Existia? Você poderia andar despreocupado pela rua, crente que poderia chegar às quatro horas ao seu compromisso, chegar às quatro e quinze e estar tudo numa boa. O celular aboliu a calma dos encontros. Às 3:50 já estão lhe ligando, cobrando a presença. Às 4:15 já foram umas 20 ligações e todos já estão a odiar-lhe pela demora. Você já não pode perder-se pela cidade, parar em uma sorveteria e saborear um sorvete de doce de leite. Alguém vai lhe ligar e reclamar porque você parou. Há o constante monitoramento celular. Não estou falando dos pais, da namorada, do chefe. Estou falando de todos. Qualquer pessoa pode saber onde você está a qualquer momento. 
Eu sou um cara tranquilão. Não gosto de correria, de pressão. Sei que na minha profissão os trabalhos normalmente são feitos nesta base. Noites viradas, litros de café, os olhos sempre saltando da face. Mas de uns tempos para cá aprendi a matar o Tempo. Quem nunca se atrasou e, ao contrário do que poderia parecer, o atraso foi benéfico? Não estou fazendo aqui um ode à irresponsabilidade e à carice-de-pau, mas estou clamando pela qualidade de vida. As pessoas têm que começar a aprender a se respeitar em detrimento do telefone, dos emails. As cobranças chegam mas cada um deve aprender a lidar com seus tempos, com seus prazos, os seus modos de fazer as coisas. A industrialização trouxe esse mal da velocidade e da padronização. Nivelou todos os profissionais em suas especializações e premia os eficientes. É a pura mecanização do ser-humano. Já imaginou um arquiteto ser melhor do que outro simplesmente porque sempre entrega seus projetos no prazo? E esse seria o maior diferencial entre os arquitetos! Escutem aqui baixinho, vou falar no pé do ouvido: nenhum entrega no prazo! Tudo bem, arquitetura é uma outra questão, exige criação, inspiração etc etc. Mas tem uma coisa que é comum a todo e qualquer ofício: o próprio homem. Cada pessoa tem seu tempo até para arrochar um parafuso. Cada um tem seu trejeito para escovar os dentes, rodar a maçaneta. Então como não dizer que cada profissional tem sua peculiaridade? E isso é tão grave que muitos de nós perdemos o gosto. Nem sabemos o que queremos, ficamos com o que tiver à mão. Isso pasteuriza a cultura. Somos o ser-humano padrão, soltos às garras do Mercado. Quem ainda vai ao alfaiate se é muito mais rápido ir ao shopping? Mas no shopping, ninguém tem liberdade, ninguém cria, ninguém inventa, ninguém se inventa. Somos aquilo que está programado. E rápido! E o que é que o pobre coitado do celular e do facebook tem a ver com isso? Nada. E tudo. São maravilhas da modernidade. É realmente quase que impossível viver hoje em dia sem um aparelho de celular. E com dois, três e até quatro chips! Porém, com eles, a pressão triplica. Com eles, temos pressa! O que acontece é que não somos mais nós mesmos que fazemos nosso tempo. Viramos reféns do celular, da internet. E quanto mais chegam ligações: “você ainda não chegou?”, “está trazendo o trabalho?”, “venha logo!”, com aquele “trim” “trim” constante, mais nós nos estressamos. Quem nunca perdeu uma música favorita porque a colocou como toque do celular? E assim o tempo vai se esvaindo sem que a gente perceba e o Tempo vai nos dominando e consumindo sem que possamos reagir. 
E se de repente todos reagíssemos e ao invés de se acabar para viver, vivêssemos até se acabar? Se domássemos nosso telefone e nossa internet e passássemos uma hora do dia conhecendo nossa cidade? O ladrão? Ele existe porque ninguém está prestando atenção a ele. É um ser marginal. A gente nem o nota em nosso mundo instantâneo. Vamos devagarinho, à pé. Tendo o cuidado de ver tudo aquilo que a gente perdeu porque não teve tempo, no automóvel. E se nos encontrássemos casualmente nalguma calçada e ali ficássemos tomando uma cerveja, até matar o Tempo (de novo)?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Janelas (uma proposta? um desabafo?)

A cidade se trancafia dentro de si mesma. O externo e o interno são manifestações tão antônimas que chegam a se confundir no limiar das tensões, tomando cada uma o papel da outra no dia-a-dia urbano. A liberdade não mais tem a ver com o ir e vir, com a procura do inesperado, com o conhecer e o fazer-se conhecido. A liberdade agora é fruto da prisão. As pessoas nas cidades prendem-se, trancam-se em busca da liberdade, da fuga do medo, para poderem estar de forma calma e tranquila consigo mesmas. É a busca da capela-útero de João Cabral. As portas não são mais de abrir, mas de fechar. Elas fecham para o aberto. E assim, fechando-se em torno de si mesmas, em suas casas, seus terrenos, propriedades, a cidade vai se esmaecendo de vida. As células do tecido orgânico vão se isolando e perdendo suas relações. O organismo vai perdendo vida. Mas o que acarreta isso? Será apenas o medo da violência? Os muros altos, as cercas elétricas! Existirá coisa mais aterradora do que isolar-se atrás de um conjunto de fios elétricos por medo de outros seres-humanos? E que seres-humanos são esses que irão debater-se contra essa fiação? Que monstro alimentador dessa desfiguração urbana está tramando contra nosso futuro? A própria cidade, num ciclo vicioso, trama contra si mesma. Ela é uma péssima anfitriã. As ruas das grandes cidades são pouquíssimo hospitaleiras. Não há beleza, gentileza, delicadeza em nossas ruas. Olhem para os postes de iluminação pública! Eles trazem em si a mágica da luz! A luz que rasga o breu da noite e disponibiliza a possibilidade da alegria e da convivência mesmo sem a luz do sol. Como cantaram Chico Anísyo e Arnoud Rodrigues (que Deus o tenha!), numa música que para mim é belíssima que diz: “Nosso poste da esquina, da rua Jorge Lima, onde a turma se formou, onde a turma se encontrou e a vida separou!”. Mas olhem para os postes de iluminação pública! São monstros de concreto! Onde está a delicadeza de quem carrega a luz? Fortaleza já foi possuidora dos postes mais charmosos do Brasil, nos tempos da luz à gás! As calçadas? Como falar das calçadas se elas nem sequer existem? O que o trânsito faz com as pessoas é assustador. Educados perdem a educação, gentis tornam-se ranzinzas. O stress do trânsito é de fazer qualquer um precisar sair da rua. A casa acalma. Tranquiliza. Esvazia-se a cabeça dos tantos barulhos desnecessários de lá de fora. A paz chega quando se está só, em silêncio, trancado. Os ruídos do mundo externo são tão altos, tão improdutivos, tão alucinantes que nos calam. E não são apenas ruídos sonoros. A briga entre as placas de propagandas, as luzes das lojas, os sinais de trânsito, os edifícios modernos, os fios de eletricidade são tão aterradoras quanto os freios dos ônibus, a buzina do motorista enfadado, o som do carro do rapaz playboy... E tudo isso nos cala. Chegamos em casa sem histórias para contar. Até porque o tempo não permite. Não temos tempo de olhar o que acontece na rua. 60km/h é muito devagar para a nossa pressa, mas sem dúvida é demasiado rápido para se viver o momento. Aquele pobrezinho doente, sem pernas que pede esmola na rua? Aquela criança magrela, com um bucho enorme e duro? Não merecem atenção, são vagabundos, espertalhões, que querem ganhar dinheiro fácil. E tudo isso passa numa velocidade tão grande que a gente nem nota. Temos segundos de revolta, de ética, de humanidade mas que passam voando por nossa cabeça, pois não temos tempo para maiores reflexões. E mesmo as reflexões por vezes param em certo momento e a luta contra as injustiças, as diferenças, o machismo, o preconceito tornam-se mais injustas, mais diferenciadoras, machistas, preconceituosas e massacrantes.
O que fazer diante disto? Não sei. Sei que viver em uma saudade, em uma melancolia por um tempo que eu nem cheguei a viver não adianta. Não sou do interior. Meus pais são. Sei de muita gente que ainda tem o costume de sentar na calçada no fim do dia. Colocar suas cadeiras de balanço lá fora e ir ver o movimento. De vez em quando passa um carro. O carro. Esse que veio diminuir as distâncias parece que só as aumenta. Tantas e tantas vezes é tão mais complicado ir daqui pra lá de carro. E demorado. E estressante. Passam-se horas em um congestionamento. Sem falar na dor no joelho esquerdo que pisa na embreagem e nas costas doídas com tanta tensão. 
As casas mais antigas, do Centro, possuem algo interessante que as casas e os condomínios atuais não possuem, que é a porta e a janela que dão para a rua. Ou seja, a falta do muro. A relação interior x exterior era bem mais interessante quando se podia abrir a janela e apreciar a rua. Não apenas apreciar a rua, mas oferecer um bom dia a quem passa. Como no poema de Cecília Meireles, As meninas:
Arabela
abria a janela.
Carolina
abria a cortina.
E Maria
olhava e sorria:
“Bom dia!”
Arabela
foi sempre a mais bela.
Carolina
a mais sábia menina.
E Maria
apenas sorria:
“Bom dia!”
Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;
uma que se chamava Arabela,
outra que se chamou Carolina.
Mas a nossa profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de amizade:
“Bom dia!”
Que beleza! “Cada menina que vivia naquela janela”! A janela são os olhos da casa. E o que podemos ver se entre a janela e a rua tem um muro? Onde fica o bom-dia? Aquela menina bonita debruçada no peitoril!? E que belo nome! Peitoril! Tudo faz mais sentido quando se humaniza o cotidiano, quando o ser-humano é o padrão da vida, e não a máquina, o carro. 
E se por um certo momento abríssemos as janelas que exalam a paz do interior para o mundo exterior? Trouxéssemos a gentileza que há por dentro para fora, para a rua? E se esse movimento fosse do mundo sufocante e fechado aberto de fora, para o mundo aberto de paz e tranquilo fechado de dentro? Se puséssemos janelas cheias de bons-dias nos muros dos condomínios e se nos debruçássemos sobre elas? Haveria alguma compreensão? E, como cantou Chico Buarque, o mundo amanheceria em paz?