sábado, 22 de dezembro de 2012

Nossa "falta de cultura".


Sem cultura é a vovozinha! E a de vocês que nos querem enfiar goela abaixo a idéia de que nós cearenses não temos cultura. E culturas específicas. Já me explico. Essas relações de poder, o desejo das elites de manter seu status, sua governabilidade, seu poderio econômico e etc. Toda a cidade é construída a partir dessas relações de poder. E os arquitetos que a planejam, na maioria das vezes nem tomam conhecimento disso. A discussão da arquitetura no Brasil e, principalmente no Ceará, anda muito na superfície. Como se a arquitetura fosse o princípio do processo de construção da cidade, mas na verdade, até se chegar na arquitetura, muitas águas têm que rolar. E é aí que entram nossos queridos donos do poder. E não é só o poder econômico, o poder de governo e sim todas as complexas formas de poder que convivem (ou não) na cidade e que determinam os caminhos que a cidade deve seguir. Cada revestimento, cada cerâmica dessas que cobrem TODOS os nossos edifícios, cada curva, cada linha reta, cada telhado de telha cerâmica ou metálica, tudo isso é antes de mais nada, uma decisão política. E isso é importante que seja entendido. Mesmo que a decisão do arquiteto de usar esse e não aquele material tenha sido puramente econômica, porque essa cerâmica é mais barata do que aquela textura, o fato dela ser mais barata tem uma explicação política. E que tem algum dono do poder querendo que aquele material seja usado pra aumentar seus lucros. Até na escolha das plantas usadas no nosso paisagismo... nossas plantas ainda são as nossas plantas? O que quero dizer é que nossos planejadores devem tomar consciência de sua esfera política e não ser um mero burro de carga levando de um lado para o outro a cidade, à bel prazer das elites. Essa que deveria curvar-se às reais necessidades da população. E essas necessidades não são só as básicas. Como se resolver saneamento, saúde e educação fosse nossa única necessidade. E essa é uma discussão que já deveria ter sido superada há muito tempo. Esse grande déficit nas necessidades básicas também é um fator político absurdo. Nossas elites não têm a mínima vontade de resolver isso pra não ver a grande massa da população se preocupando com outros assuntos não tão urgentes. Como nossa identidade, por exemplo. Nossa identidade é dependente do lucro de alguém. E nós arquitetos mantemos esse monstro sem perceber. Achando que estamos fazendo grandes obras de arquitetura só perpetuamos nossa condição de dominados e vendidos. E o pior que tenho a dizer é o que vem a seguir. É sobre o que eu vinha berrando no começo dessa postagem. É que para legitimar a destruição, loteamento e venda de nossa cultura, de nossa identidade e de nossa memória, nos fizeram acreditar que não temos cultura. Uma das frases que me deixa mais aborrecido quando escuto é aquela: "O CEARENSE NÃO TEM CULTURA DE PRAÇA", ou "O CEARENSE NÃO TEM CULTURA DE PRESERVAR SUA HISTÓRIA"... Não tem um ser humano nessa cidade que vai conseguir me convencer que uma casa antiga e histórica foi derrubada porque nós cearenses não temos a cultura de preservar, de manter alguma coisa e não porque alguém ganancioso preferiu multiplicar aquele terreno em 21 pavimentos e fazer sua grana crescer, em conluio com o poder público que deveria preservar e cuidar de nossa cidade e de nossa cultura. Para mim o que acontece não é a falta de cultura e sim uma cultura de lucro e de ganância por parte dos que nos comandam e que fazem de tudo para manter a situação atual de falta de educação, de saúde, de saneamento básico, para conseguir esfacelar e vender mais fácil nossa cidade. Alguém vai me dizer que um bairro como Meireles, por exemplo, que tem o m² mais caro da cidade não tem nenhuma praça só porque o cearense não tem a cultura de usar praças? Ou que isso é uma desculpa esfarrapada pra vender o espaço que deveria ser público e lucrar ainda mais? Uma visão tacanha de lucro imediato e individualista. Claro que existem os arquitetos e as elites conscientes mas ainda não em quantidade para modificar a situação vigente.
Pelo visto, enquanto nossa cidade ainda tiver seus donos, nós vamos continuar sem cultura.