quarta-feira, 6 de abril de 2011

Fique calmo! Eu matei o Tempo!

És um Senhor tão bonito? Um dos Deuses mais lindos? Pois saibam que hoje eu saí para matá-lo e tenho impressão que o matei. Um dos grandes males da tecnologia, da telefonia celular, do orkut, do facebook, é a de retirar das pessoas a possibilidade de estar só consigo mesmas. Alguém lembra de como era a vida antes do celular? Existia? Você poderia andar despreocupado pela rua, crente que poderia chegar às quatro horas ao seu compromisso, chegar às quatro e quinze e estar tudo numa boa. O celular aboliu a calma dos encontros. Às 3:50 já estão lhe ligando, cobrando a presença. Às 4:15 já foram umas 20 ligações e todos já estão a odiar-lhe pela demora. Você já não pode perder-se pela cidade, parar em uma sorveteria e saborear um sorvete de doce de leite. Alguém vai lhe ligar e reclamar porque você parou. Há o constante monitoramento celular. Não estou falando dos pais, da namorada, do chefe. Estou falando de todos. Qualquer pessoa pode saber onde você está a qualquer momento. 
Eu sou um cara tranquilão. Não gosto de correria, de pressão. Sei que na minha profissão os trabalhos normalmente são feitos nesta base. Noites viradas, litros de café, os olhos sempre saltando da face. Mas de uns tempos para cá aprendi a matar o Tempo. Quem nunca se atrasou e, ao contrário do que poderia parecer, o atraso foi benéfico? Não estou fazendo aqui um ode à irresponsabilidade e à carice-de-pau, mas estou clamando pela qualidade de vida. As pessoas têm que começar a aprender a se respeitar em detrimento do telefone, dos emails. As cobranças chegam mas cada um deve aprender a lidar com seus tempos, com seus prazos, os seus modos de fazer as coisas. A industrialização trouxe esse mal da velocidade e da padronização. Nivelou todos os profissionais em suas especializações e premia os eficientes. É a pura mecanização do ser-humano. Já imaginou um arquiteto ser melhor do que outro simplesmente porque sempre entrega seus projetos no prazo? E esse seria o maior diferencial entre os arquitetos! Escutem aqui baixinho, vou falar no pé do ouvido: nenhum entrega no prazo! Tudo bem, arquitetura é uma outra questão, exige criação, inspiração etc etc. Mas tem uma coisa que é comum a todo e qualquer ofício: o próprio homem. Cada pessoa tem seu tempo até para arrochar um parafuso. Cada um tem seu trejeito para escovar os dentes, rodar a maçaneta. Então como não dizer que cada profissional tem sua peculiaridade? E isso é tão grave que muitos de nós perdemos o gosto. Nem sabemos o que queremos, ficamos com o que tiver à mão. Isso pasteuriza a cultura. Somos o ser-humano padrão, soltos às garras do Mercado. Quem ainda vai ao alfaiate se é muito mais rápido ir ao shopping? Mas no shopping, ninguém tem liberdade, ninguém cria, ninguém inventa, ninguém se inventa. Somos aquilo que está programado. E rápido! E o que é que o pobre coitado do celular e do facebook tem a ver com isso? Nada. E tudo. São maravilhas da modernidade. É realmente quase que impossível viver hoje em dia sem um aparelho de celular. E com dois, três e até quatro chips! Porém, com eles, a pressão triplica. Com eles, temos pressa! O que acontece é que não somos mais nós mesmos que fazemos nosso tempo. Viramos reféns do celular, da internet. E quanto mais chegam ligações: “você ainda não chegou?”, “está trazendo o trabalho?”, “venha logo!”, com aquele “trim” “trim” constante, mais nós nos estressamos. Quem nunca perdeu uma música favorita porque a colocou como toque do celular? E assim o tempo vai se esvaindo sem que a gente perceba e o Tempo vai nos dominando e consumindo sem que possamos reagir. 
E se de repente todos reagíssemos e ao invés de se acabar para viver, vivêssemos até se acabar? Se domássemos nosso telefone e nossa internet e passássemos uma hora do dia conhecendo nossa cidade? O ladrão? Ele existe porque ninguém está prestando atenção a ele. É um ser marginal. A gente nem o nota em nosso mundo instantâneo. Vamos devagarinho, à pé. Tendo o cuidado de ver tudo aquilo que a gente perdeu porque não teve tempo, no automóvel. E se nos encontrássemos casualmente nalguma calçada e ali ficássemos tomando uma cerveja, até matar o Tempo (de novo)?

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