Só quem passa munido daquela boa vontade e de muita paciência consegue entrar nesta cidade. Ela se esconde silenciosamente por detrás de uma máscara de cidade dura, real, material que, tal qual um sujeito muito gordo, suado e ofegante se põe à sua frente, tomando toda a passagem. E não só a passagem, como nossa vontade de passar. Poderíamos chamá-la de cidade fantasma, vestida de um espectro transparente, assombrado. E realmente ela possui essa característica tão fantasmagórica, assustadora. Parece alimentar-se das almas-de-outro-mundo que não a esquecem, em seus paletós de linho branco e chapéus de palhinha panamá. Porém não é nada disso. Ela não é fantasma, apenas cansou-se das mazelas do mundo em dado momento, e trancafiou-se por detrás dessa máscara de ferro, fornecida pelos homens mais astutos da época. Elaboraram um plano, um pano, um cenário e a vestiram de cidade dura. Esta vinha munida de forças extras, gananciosas, mesquinhas, enganadoras. E estas forças, por ventura, ainda estão lá, mentindo e nos enganando. Deve-se estar muito atento para não se perder na violência da realidade e nunca mais conseguir voltar para nosso mundo. Ao se passar pela calçada esquerda do Baobá a realidade começa a se transfigurar. Feito flashes de um filme tão antigo, as arestas dos prédios, o asfalto, as linhas retas, começam a entrar em defasagem entre o que se vê e o que realmente se sente. A partir daí abrem-se os portões para os jardins da cidade antiga. Não é fácil vê-la, mas ela está sempre nos vendo. Divertindo-se às nossas custas, feliz de não precisar conviver conosco, com toda a paz e a tranquilidade de quem tem tempo para enxergar os passarinhos.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Os portões da cidade fantasma
Só quem passa munido daquela boa vontade e de muita paciência consegue entrar nesta cidade. Ela se esconde silenciosamente por detrás de uma máscara de cidade dura, real, material que, tal qual um sujeito muito gordo, suado e ofegante se põe à sua frente, tomando toda a passagem. E não só a passagem, como nossa vontade de passar. Poderíamos chamá-la de cidade fantasma, vestida de um espectro transparente, assombrado. E realmente ela possui essa característica tão fantasmagórica, assustadora. Parece alimentar-se das almas-de-outro-mundo que não a esquecem, em seus paletós de linho branco e chapéus de palhinha panamá. Porém não é nada disso. Ela não é fantasma, apenas cansou-se das mazelas do mundo em dado momento, e trancafiou-se por detrás dessa máscara de ferro, fornecida pelos homens mais astutos da época. Elaboraram um plano, um pano, um cenário e a vestiram de cidade dura. Esta vinha munida de forças extras, gananciosas, mesquinhas, enganadoras. E estas forças, por ventura, ainda estão lá, mentindo e nos enganando. Deve-se estar muito atento para não se perder na violência da realidade e nunca mais conseguir voltar para nosso mundo. Ao se passar pela calçada esquerda do Baobá a realidade começa a se transfigurar. Feito flashes de um filme tão antigo, as arestas dos prédios, o asfalto, as linhas retas, começam a entrar em defasagem entre o que se vê e o que realmente se sente. A partir daí abrem-se os portões para os jardins da cidade antiga. Não é fácil vê-la, mas ela está sempre nos vendo. Divertindo-se às nossas custas, feliz de não precisar conviver conosco, com toda a paz e a tranquilidade de quem tem tempo para enxergar os passarinhos.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Poesia de monturos
Sou apaixonado por esse prédio... |
Quero viver-te tudo de novo. O que já viveu. Vê-lo emergir desse banho de pátina que o desamor te deu. Queria tirar essa máscara onde escondes sei lá o quê. Mas sei que o que imagino vai muito além da tua capacidade de não ser. Mais. Ser mais. Lugar é vento, nascendo ao sol, crescendo. E quando, de dentro para fora ergueres teus pés, uma aurora de cores quentes: amarelos, vermelhos, ocres; queimados ao sol, lambidos de vento. Aprisionados nessa caixa de pandora às avessas, em que os males aprisionam os bens; em fios, cimentos, tijolos... E tu não vens, não vens... simplesmente. Só o tempo, egoísta, chupando tuas carnes, cuspindo teus caroços e nos escarrando teus bagaços.
Mas espero vê-lo um dia (é preciso sonhar)! E viver é sonhar! Pois quero viver-te tudo de novo, nobre abrigo de ruínas, resplandecendo sob nova manhã, tecida e tingida dessa poesia de monturos...
"Rua Conde D'Eu, n. 462
O edifício se encontra em frente à Sé, na esquina da Travessa Crato, é um prédio de dois andares, com proporções elegantes e com profusa decoração. Tem 16 portas, (com elegantes molduras encimadas por elementos florais e marcadas ao seu centro por uma chave de arco), no andar superior correspondentes ao andar térreo, já alteradas. Destaca-se ao balaústres fundidos que só decoram a parte anterior, sendo internamente planos. Sua fachada possui elementos decorativos geométrico e são arrematadas por um coroamento discreto e elegante no centro e nas esquinas do edifício.
Dados gerais:
Endereço: Rua Conde D'Eu, 462
Bairro: Centro
Nome conhecido: Casa das Redes
Proprietário: Tereza Távora
Classificação cultural:
Época da construção: primeira metade do século XIX
Data da construção: desconhecida
Autor: desconhecido
Estilo: eclético
Uso original: comércio
Uso atual: comércio"
Retirado de: Guia Arquitetônico Fortaleza Centro, de José Capelo Filho e Lídia Sarmiento
terça-feira, 21 de junho de 2011
O drama de Angélica
Esse sim é um dos melhores exemplos da tragédia brasileira. Belíssimo, engraçado, inteligente... fantástico!
O Drama de Angélica
(Alvarenga e Ranchinho)
(Composição: Alvarenga e M. G. Barreto)
Ouve meu cântico quase sem ritmo
Que é a voz de um tísico magro esquelético...
Poesia ética em forma esdrúxula
Feita sem métrica com rima rápida...
Amei Angélica mulher anêmica
De cores pálidas e gestos tímidos...
Era maligna e tinha ímpetos
De fazer cócegas no meu esôfago...
Em noite frígida fomos ao Lírico
Ouvir o músico pianista célebre...
Soprava o zéfiro ventinho úmido
Então Angélica ficou asmática...
Fomos ao médico de muita clínica
Com muita prática e preço módico...
Depois do inquérito descobre o clínico
O mal atávico mal sifilítico...
Mandou-me célere comprar noz vômica
E ácido cítrico para o seu fígado...
O farmacêutico mocinho estúpido
Errou na fórmula, fez despropósito...
Não tendo escrúpulo deu-me sem rótulo
Ácido fênico e ácido prússico...
Corri mui lépido mais de um quilômetro
Num bonde elétrico de força múltipla...
O dia cálido deixou-me tépido
Achei Angélica já toda trêmula...
A terapêutica dose alopática
Lhe dei em xícara de ferro ágate...
Tomou num fôlego triste e bucólica
Esta estrambólica droga fatídica...
Caiu no esôfago deixou-a lívida
Dando-lhe cólica e morte trágica...
O pai de Angélica chefe do tráfego
Homem carnívoro ficou perplexo...
Por ser estrábico usava óculos:
Um vidro côncavo o outro convexo...
Morreu Angélica de um modo lúgubre
Moléstia crônica levou-a ao túmulo...
Foi feita a autópsia todos os médicos
Foram unânimes no diagnóstico...
Fiz-lhe um sarcófago assaz artístico
Todo de mármore da cor do ébano...
E sobre o túmulo uma estatística
Coisa metódica como Os Lusíadas...
E numa lápide paralelepípedo
Pus esse dístico terno e simbólico:
"Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza Helênica
Morreu de cólica!"
Ouve meu cântico quase sem ritmo
Que é a voz de um tísico magro esquelético...
Poesia ética em forma esdrúxula
Feita sem métrica com rima rápida...
Amei Angélica mulher anêmica
De cores pálidas e gestos tímidos...
Era maligna e tinha ímpetos
De fazer cócegas no meu esôfago...
Em noite frígida fomos ao Lírico
Ouvir o músico pianista célebre...
Soprava o zéfiro ventinho úmido
Então Angélica ficou asmática...
Fomos ao médico de muita clínica
Com muita prática e preço módico...
Depois do inquérito descobre o clínico
O mal atávico mal sifilítico...
Mandou-me célere comprar noz vômica
E ácido cítrico para o seu fígado...
O farmacêutico mocinho estúpido
Errou na fórmula, fez despropósito...
Não tendo escrúpulo deu-me sem rótulo
Ácido fênico e ácido prússico...
Corri mui lépido mais de um quilômetro
Num bonde elétrico de força múltipla...
O dia cálido deixou-me tépido
Achei Angélica já toda trêmula...
A terapêutica dose alopática
Lhe dei em xícara de ferro ágate...
Tomou num fôlego triste e bucólica
Esta estrambólica droga fatídica...
Caiu no esôfago deixou-a lívida
Dando-lhe cólica e morte trágica...
O pai de Angélica chefe do tráfego
Homem carnívoro ficou perplexo...
Por ser estrábico usava óculos:
Um vidro côncavo o outro convexo...
Morreu Angélica de um modo lúgubre
Moléstia crônica levou-a ao túmulo...
Foi feita a autópsia todos os médicos
Foram unânimes no diagnóstico...
Fiz-lhe um sarcófago assaz artístico
Todo de mármore da cor do ébano...
E sobre o túmulo uma estatística
Coisa metódica como Os Lusíadas...
E numa lápide paralelepípedo
Pus esse dístico terno e simbólico:
"Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza Helênica
Morreu de cólica!"
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Waly...
Nasci sob um teto sossegado, meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado, agora, entre o meu ser e o ser alheio, a linha de fronteira se rompeu, a linha de fronteira de rompeu!
Na ciência dos cuidados fui treinado, agora, entre o meu ser e o ser alheio, a linha de fronteira se rompeu, a linha de fronteira de rompeu!
(Waly Salomão)
domingo, 19 de junho de 2011
A casa de Deus
Fui, um dia desse, convidado pelo professor Marcondes, a assistir a apresentação dos projetos de arquitetura da disciplina ofertada por ele, lá na faculdade. Os projetos estavam ótimos, muito criativos, bem resolvidos, as turmas estão vindo cada vez melhores. O tema do projeto era "a casa de Deus" e quem deveria definir o que é isso era alguma criança que os projetistas conseguissem para entrevistar. Uma definição bem recorrente que apareceu, pelo menos entre os projetos que vi, era que a casa de Deus seria um local onde as pessoas se reunissem, onde houvesse o encontro e elas pudessem estar juntas, brincando, rindo, vivendo. Claro que isso dito por uma criança, com suas palavras, muito mais bem escolhidas do que as minhas...
Hoje Deus fez morada em minha cidade. Talvez fosse uma menina em uma bicicleta rosa. Talvez fosse os harmônicos do violão. O fato é que a praça viveu. Serviu de palco e platéia para o encontro. A sagração do Domingo ocorreu através do congraçamento. E a arte permeou as relações. Todos se entenderam sem quase precisar de palavras. A música foi o fio que teceu os entendimentos, e lubrificou as almas. A praça foi a casa de Deus. E eu, mais uma vez me vi criança e então me entendi divino, pois pude brincar em Sua morada.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Arquitetura Interior
Crânio de Palhaço - Escultura de Vik Muniz |
De fora para dentro, sem rugas nem tijolos
De dentro para fora, por janelas, abrir-se
Construindo-se em tudo o que puder os olhos
Arquitetura feita assim, por janelas nem tijolos
Bem maior que a solidão, a solidez dos encontros
De dentro para fora, encontrando-se os olhos
De fora para dentro poesia para passar os anos
Se fosse construção, não se levantaria
Dormiria aqui no peito, envolvida de silêncio
Se não fosse construção, talvez nem existia
Faz-se bonita, numa explosão alegre de cor
Manifesta-se em vários tons de liberdade
E assim, nos refazendo, uma Arquitetura Interior.
(João Lucas)
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