sexta-feira, 1 de outubro de 2010

demolição

Voltando para a idéia primeira do blog, de fazer um cd de poemas cantados, e se possível, dodecafônicos, vou postar mais um poema meu. Eu falei que ia, de vez em quando, postando um poema, intercalando com tudo aquilo que me inspira, e que vai formando minha bagagem de informações. Vou postar esse agora, porque enfim, a especulação imobiliária bateu à minha porta.

(Quero fazer um parêntesis. Não tem nada a ver com o que eu vinha falando. Meu avô quando vivo andava com cadernetinhas no bolso em que ele ia anotando tudo o que via de interessante na rua ou de boas idéias que ia tendo. Talvez se fosse hoje em dia ele tivesse um blog. De modo que mamãe mexendo nessas cadernetinhas descobriu uma adivinhação que ele anotou há pelo menos uns 50 anos atrás... pode ser mais tempo. A adivinhação era assim: "Quando é que se abre uma porta aberta?".  Resposta no final do texto! hahaha.)

Retomando minha linha de raciocínio original, eu dizia que enfim a especulação chegou aqui. Querem comprar nossa casa e transformar tudo aqui em prédio. É possível que ela nos vença. Basta vencer o papai. Não o imagino como um senhor Fredericksen em sua casinha de jardim verde cercado por arranha-céus, então creio que mais cedo ou mais tarde a força da grana que ergue e destrói coisas belas vai destruir o que de mais belo podemos chamar de nosso. Não a casa em si, como casca, que apesar de ser uma ótima casca, o que de mais bonito há nela é o que ela abriga. É o seu recheio. São os cantinhos da minha infância, meus esconderijos. Minhas alegrias, meus choros, minhas tristezas. Cada pedacinho de parede contém minha vida. E não só a minha. De minhas irmãs e também de meus pais. No meu caso é que contém minha vida toda. Porém do papai, contém sua alma. Me imagino em seu lugar. A maior alegria de um sujeito deve ser construir sua casa, levar sua mulher, seus filhos. Você mesmo construir. Deve ser a maior satisfação. Acho que por isso ele nunca terminou a casa. Sempre, todos os anos, ele faz uma reforma. Muda um quarto, pinta a sala, constrói um banheiro. É uma forma de prolongar aquela satisfação primeira. Assim é que fiz esse poema a seguir. Espero que gostem.

Sangue nas veias
(João Lucas)

O sangue que corre
nas veias da minha casa
é A positivo.
Eu sei, pois é o próprio
sangue do meu pai.
Papai é um passarinho
que encontrou sua árvore
para fazer morada.
E nós, pedimos a papai
para ser nossa árvore.
Sempre noto uma lágrima
em seu rosto vivido
quando noto esta casa
por lá detrás de suas pupilas.
Não há de haver prazer
maior que construir-se,
construindo-nos em
em solidíssima fundação.
Quando demolirem minha casa
só peço por favor para que
não a deixem sangrar muito. 




resposta da adivinhação: "Quando Berta bate à porta!"

6 comentários:

Belle disse...

Esse é o post mais emocionante!...

Nanquim disse...

Isso é bonito e me faz lembrar de infância que já não é mais comum. É triste ver o quotidiano perdendo a poesia.

Unknown disse...

e baaaaate coracao véio!!!!!
vou responder como o joao gilberto fez com o jards macalé quando ele, digamos, estava meio melancolico...
vou "cantar" um musica (que é do tom e vinicius, e nao do chico, como eu imaginava):

"Vem
Vamos dançar ao sol
Vem
Que a banda vai passar
Vem
Ouvir o toque dos clarins
Anunciando o carnaval
E vão brilhando os seus metais
Por entre cores mil
Verde mar, céu de anil
Nunca se viu tanta beleza
Ai, meu Deus
Que lindo o meu Brasil
papaparapaparara"

(violinos! trompetes! guitarras!)

*j. gilberto cantou "no rancho fundo"

Unknown disse...

esqueci de um detalhe: joao tb cantou a distancia, ao telefone...

Angélica disse...

Já passei por tantas portas e tantas paredes, mas cada adeus deixa de fato não só uma saudade , mas uma parte da história!!!
Lindo, João!

Unknown disse...

Muito bom.... muito lindo...

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