terça-feira, 7 de setembro de 2010

Lamentos do Brasil

"Ninguém se melindrará com a minha poesia porque ninguém a lerá."
de Thomas Hardy, epílogo do livro "Memorial da Alma" de Antonio Justa.

Aproveitando as comemorações pátrias de independência, lembrei da poesia de um cearense (pelo menos assim o sei), chamado Antonio Justa (para quem o conhecia apenas por ser nome de rua, poderá agora ficar conhecendo-o um pouco melhor!). Jornalista e poeta, escreveu esse fenomenal poema, extremamente atual, intitulado "Lamentos do Brasil". Quem quiser conhecer um pouco mais sobre sua vida, pode clicar aqui.

Lamentos do Brasil
(Antonio Justa)

Mandam-me festejar o sete de setembro,
mas eu nunca fui livre e se fui não me lembro...
Obrigam-me a exultar cada treze de maio,
mas eu, pobre de mim, da escravidão não saio...
Sou o Brasil palhaço! Encangam-me a cerviz,
E minha obrigação é mostrar-me feliz...
Para glória de alguns, eu muitas vezes rio
De alma cheio de pranto e estômago vazio...

E quando alguma vez meu pendão se desfralda,
seu amarelo de ouro e o verde de esmeralda
que o vento a sussurrar, com carinho, balança,
são quase uma ironia! A riqueza e a esperança
bordam com viva cor a mortalha que cobre
Uma gente infeliz, desiludida e pobre!...

Se em mim reinava outrora uma justiça errônea,
tive de suportá-la - era um Brasil colônia!
Se a lei me impôs mais tarde o nó duro e funério,
tive de sujeitar-me - era um Brasil império...
Hoje a lei é a do forte, é a do que rouba e mata,
e (até me dói dizer) sou País democrata...

Democrata porque para o meu mal se elege
o que se diz cristão e é desumano e hereje!
Democrata porque, para o que estuda e pensa,
há muito já se deu liberdade de imprensa,
contanto que ele diga e diga em alto e bom som,
que eu tenho liberdade e o meu governo é bom...
Democrata porque posso morrer de fome,
sem que se remedie o mal que me consome!
Democrata porque podem crianças nuas
morrer sem pão, sem lar, nas calçadas das ruas.

Ah! meu destino agora é viver sem justiça,
ouvindo os tristes ais de uma raça mestiça,
vendo um triste a chorar, outro pálido e langue,
este a tremer de febre, aquele a escarrar sangue,
aquele outro a exibir chagas sujas medonhas,
de onde escorrem por vezes fedorentas peçonhas,
e só porque lhes falta (ó certeza infernal!)
um vidro de remédio, um leito de hospital!

Ai! Eu sou um País atrofiado e rude!
Falta-me educação e falta-me saúde!
Em mim viceja o crime e a instrução não se vê.
Tragam-me às mãos um livro: a carta de A.B.C....
Façam que eu seja grande e que eu sirva de exemplo,
mandem descer o pano às cenas que contemplo.

Até em Tribunais, de que já não me valho,
há quem venda a justiça, às vezes, a retalho,
como carne de boi sobre um balcão de açougue.
Por que então impedir que a minha voz regougue,
e obrigar-me a fingir que não olho e não vejo
macular-se a justiça este sol benfazejo
por quem a voz de Cristo ainda agora se escuta,
e Sócrates bebeu a taça de cicuta?

Que culpa tenho eu de ver de olhos nevoentos,
deixar-se de fazer a lei nos parlamentos,
porque tal senador, num desplante infeliz,
deixa a voz do dever, pela da meretriz?

Foi pra isso então que numa forma estranha
meu nome andou aí de campanha em campanha,
como um brado de fé, como um grito de paz,
formando aqui e ali cordões eleitorais?

Oh! Pelo amor de Deus, tenham pena de mim!
Ninguém pode cantar tão torturado assim!
Eu já não posso mais mostrar-me satisfeito,
Tendo essa dor infinda e essa mágoa no peito!

Curem-me a dor brutal sob a qual me desmembro,
extingam-me a desgraça em que eu triste recaio,
e alegre eu passarei os setes de setembro!
E alegre exultarei pelos trezes de maio!

Um comentário:

Unknown disse...

Fantástica
excelente
atual
realista
é de arrepiar
feita ha anos atrás desenha a realidade hoje com maestria

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